sexta-feira, 7 de maio de 2010
A estória do gato e da lua
Mas nem sempre foi assim. Depois de a conhecer minha vida mudou. Procurei segui-la. Por ela atravessei mares, corri oceanos. Cheguei mesmo a andar a deriva. Tanto fiz pra a encontrar. Quando julguei estar perto, estava ainda bem longe. Me senti perdido sem saber o que fazer. No meio de tanto mar. O barco tornava-se cada vez mais apertado, o mundo cada vez mais pequeno pra toda aquela paixão.
Foi então que mudei de vida. Arranjei casa, e confortavelmente instalado, julguei irrecusável a minha proposta. Mas de novo ela fugiu. Desesperado então fui de telhado em telhado atrás dela, escravo daquele desejo, prisioneiro daquela atração que pouco a pouco me deixava cada vez mais só.
E o tempo passou. Agora já não corro. Espero apenas. O resto não importa.
Realização: Pedro Serrazina
E eis que numa noite dessas de surpreender aos mais acostumados, ela aparece e o toca. Ele se espanta em ver sua beleza tão de perto. Mal a reconhece e não pensa duas vezes em tocá-la, e a acaricia, e se sente feliz com aquela possibilidade. Tão feliz, tão feliz, que ele começa a subir pelo seu corpo e já quase não se distingue quem é quem. E os dois se envolvem e ela o leva, e nesse carinho, os dois se tornam um só, resplandecente.
Oh, gato, volta pra mim. Volta pra tua casa. Eu sei que a lua é bonita, mas é triste demais não ver-te quando chego em casa. Vida minha, amorzinho meu, volta pra mim. Não demora, não. Diz pra essa lua que a tua mãe o espera e que é preciso ir. Toma cuidado, meu gato preto. Longe de mim querer possuir-te, mas apenas desfrutar da tua presença como sempre fazíamos. Vem me tagalerar, vem me acordar, vem porque essa casa precisa de você.
Porque o choro dói mais quando se está sozinho.
Porque os gatos sabem quando um amor é pra sempre.
anti-Interior Desing-Tokyo-Michel Gondry
Terra Santa e Desgraçada
Da arte de ser clown
Das vantagens (ou des) de ser um palhaço
quarta-feira, 28 de abril de 2010
Danço eu, dança você
quinta-feira, 1 de abril de 2010
A garota do trem
Eu estava na plataforma esperando o próximo trem sentindo Guaianases chegar. Eu estava ouvindo Read My Mind no music player do meu celular. Um tanto arriscado, nos dias de hoje. Pensava na minha situação financeira, que não estava indo muito bem, mas fazer o quê. A culpa era, de fato, minha, que não fazia muita coisa para mudar isso. O assunto passou para minha vida em geral. Mais especificamente, o quão vazia era minha vida. E se eu me jogasse na frente do trem? Um espetáculo e tanto. Mas não queria quebrar meu celular. Tinha custado caro e eu sou muito apegado a essas parafernálias tecnológicas. Mas eu vivia uma vida medíocre, sem grandes ambições, sem um grande amor. Corpos passaram pelo meu, mas nada que valesse a pena lembrar naquele momento. Foi então que eu percebi que uma garota próxima a mim. Garota, sim... Tenho síndrome de Peter Pan, porque ela tinha cara de uns vinte e três a vinte e seis anos... Já era mulher, mas pra mim, menos de quarenta, garota. Ao som de Chico Buarque (sou bem eclético), comecei a observá-la. Destacava-se do resto exatamente por sua simplicidade. Em um mundo onde a vaidade reinava, um rosto sem maquiagem, uma blusa sem decote ou pernas escondidas era algo que realmente me chamava atenção. Ela olhou pra mim, surpresa com o fato de eu estar encarando-a e virou o rosto. Quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem. Mas, por algum motivo, não conseguia parar de olhar pra ela. Tsc. O trem havia chegado e entramos. Era sábado e não havia milhões de pessoas se acotovelando, travando batalhas titânicas por um maldito assento. Esperei ela sentar e sentei em um banco na sua frente. Nesse ponto, ela já estava bastante incomodada com a situação. Olhou para um lado, depois para outro, procurando um outro lugar para se sentar, mas desistiu da idéia. Creio que ela achou que seria muita bandeira, sei lá... Bom, tenho certeza que não lançava-lhe olhares cobiçosos... Pelo contrário, era um olhar curioso. Fiquei realmente curioso pra saber por onde ela já esteve. O cenho franzido, como se tivesse sido forçada a ser dura durante a vida. Tão diferente das ninfetinhas que sorriam e gritavam e gargalhavam e comentavam sobre suas últimas empreitadas sexuais e como seus supervisores eram uns escrotos e como elas conseguiriam uma promoção na operação caso aceitassem os convites libidinosos dos seus gestores e essa vida de telemarketing que é igual diarréia: todo mundo já teve a desagradável experiência de passar por isso. E nos fones, Lou Reed dizia Hey babe, take a walk on the wild side. A saída perfeita para fugir do mundo, especialmente eficiente em transportes públicos: ler. A garota tirou um livro da mochila e começou a ler. Saramago. Jangada de Pedra. Bom, por algum motivo, tinha certeza de que não seria Crepúsculo ou Paulo Coelho. Ela diferenciava-se da massa. Se eu pudesse enxergar a aura das pessoas, ali, mesmo não estando o vagão lotado, eu veria um borrão cinza e um pontinho azul. Ela seria o pontinho azul. Comecei a analisar os detalhes. Peguei minhas coisas, fui embora, não queria mais voltar, eu nunca quis presenciar o fim. Minha “ecleticidade” chocava até os mais puros. Sua mochila era grande e parecia pesada. Final de semana... Para onde ela estaria indo? Para São Paulo? Trabalho? Passeio? Encontrar no namorado? A namorada? Não havia aliança em sua mão. Na verdade, nem anel. Vaidade é para os fracos. O que tinha na mochila? Roupas? Livros? Um revólver calibre '38? Era a cara dela, levantar meter cinco balas em cinco lixos humanos e depois uma azeitona no própria cabeça. Bom, pelo menos eu gostaria de fazer algo assim. Pelo menos o celular ficaria intacto. Ou não, um maldito ladrão poderia roubá-lo enquanto eu estivesse inerte no chão. Sei lá, hoje em dia se vê de tudo. Esse mundo é uma Roma imperial moderna. Leões e cristãos. Brasil, o maior Coliseu da terra. Um estojo com itens de higiene como escova de dentes, absorvente, creme dental, pente e coisas assim? Ela parecia ser asseada, independentemente de sua simplicidade. Um maço de cigarros, talvez. Será que ela fuma? Eu estava com uma vontade louca de fumar. Maldita lei anti-fumo, que não permitia mais se fumar nas estações de trem. Roupas, definitivamente roupas. Ela estava indo encontrar o namorado. E a namorada. Que vida. Será que ela usava lingerie provocante? Uma calcinha de renda preta, um chicotinho de couro? Dominadora, talvez. Eu deveria me levantar e ir sentar-me ao lado dela. Qual seu nome? Pela idade, provavelmente Fernanda, Fabiana, Mariana, Talita ou Bárbara. Mas antes que eu tomasse qualquer decisão, um maldito obeso com cara de tarado sentou-se ao lado dela. Aqueles braços roliços, roçando “sem querer” contra os dela. Se eu tivesse uma katana, deceparia aqueles dois objetos nojentos que ele usava para levar suas mãos, segurando um Super Big Mac, à boca. Percebi que ela também se sentiu enojada. Eu queria aquele '38 pra enfiar as seis balas na barriga do gorducho. Tire suas mãos da minha garota, seu porco! Minha garota, rá, essa é boa. Sente-se aqui do meu lado, Fernanda. Vamos falar sobre literatura, cinema, música e a política mundial. Sabe, Fabiana, acho que eu te amo. Diga-me, Mariana, você quer ser minha namorada? Que notícia incrível, Talita, você está esperando um filho meu? Cuide dos nossos netos após minha morte, minha querida Bárbara. Uma família, uma vida. Ter motivos para acordar de manhã, enfrentar o mundo, juntar dinheiro, casa, carro, filhos, cachorro, gato, TV de 42 polegadas, home teather, X-Box 360. E o que ela está achando das peripécias de Joana Carda? Teria tido dificuldades para se acostumar ao estilo do Saramago ou, assim como eu, achou tranquilo? O que mais ela lê? Sartre? Maquiavel? Sêneca? Cristã? Agnóstica? Atéia? Republicana? De esquerda? Anarquistas? Mãe? Virgem? Bissexual? Diabética? Desenhista? Quem é você, garota? O que eles te fizeram? Senta aqui e me conta. Eu te protegerei. Minha Alabama. Bom, agora que encontrei o amor da minha vida, nada mais me falta. Ficaremos ricos juntos. Quando a 3ª Guerra Mundial estourar, seremos os únicos sobreviventes. Mas faremos diferente de Adão e Eva. Nossos filhos serão puros, serão ateístas. Criaremos uma sociedade onde não será necessário dominar no mínimo quatro artes marciais para se conseguir sentar no trem. Onde não existirá plaquinhas de Lei Estadual Nº 12.225/06. Você chamará meu nome enquanto dorme e eu ter abraçarei, velando seu sono. Uma casa com gazebo, limonada no portão, seriados até de madrugada. Um café e planos de fazer um filme. Pizza de sexta-feira e sexo embaixo do edredom. Fumaremos deitados na cama enquanto você me conta como foi seu dia. Uma bolha mágica, protegida pelos maiores arcanos de Devon. Ciúmes das nossas relações anteriores. Quanta bobagem, é só você que eu amo, garota. Vamos descer na próxima estação e ir no cinema. Vamos comer pipoca e tomar Coca-Cola. Deixe seus namorados pra lá, temos que estudar pra prova. Tantas coisas para fazermos juntos, e você aí, lendo Jangada de Pedra. Bom, é aqui que eu desço. Espero que você fique bem. Beijos e saiba que sempre te amarei, minha garota do trem.
sexta-feira, 19 de março de 2010
quinta-feira, 18 de março de 2010
Esquilo Não Samba
Muito prazer
Eu sou você amanhã
Só não me apresentei antes
Por medo de desmotivar
Eu sei que é triste
Mas não se deixe abalar
Terás dias bons
Cujo número eu posso contar
Muito prazer
Eu sou você amanhã
Só não me apresentei antes
Por medo de desmotivar
Não vou mentir
Na sua média você será
Medíocre
Não vou mentir
Não sua média você será...
Mediocridade
Eu sei o quanto eu sinto saudade
Mediocridade
Eu sei o quanto eu sinto saudade
Do tempo em que eu me achava esperto
Do tempo em que eu esperava dar certo
Do tempo em que eu me achava
Não quero te iludir
Não quero te enganar
Não quero te iludir
Você está
Desperdiçando o que era pouco
Muito pouco, quase nada
E está para acabar
Acabar
segunda-feira, 15 de março de 2010
Da prole
...
Da arte de ser clown.
Da arte de fazer rir por meio da dor e da tristeza.
Das vantagens de ser comer o prato frio.
Da prole de seu próprio ventre ao doentio criador.
Ei.
Faz-me sentir o melhor de mim.
Faz-me perceber o que há para ser sorriso.
Faz-me ser inspiração e produção.
Adentraste silenciosamente nesse mundo inverborrágico. Adentraste silenciosamente no paço das palavras.
terça-feira, 2 de março de 2010
meio mosaico
Mas a vida está nos silenciando aos poucos. O vento está soprando e a sensação de estar numa corda bamba sempre esteve. Não estamos bem e isso não é de hoje. Estou chegando à conclusão de que a nossa doença é degenerativa, crônica e psicológica, e parece estar em grau avançado. A vida está nos silenciando. Conseguiram nos convencer da nossa loucura e nós sempre nos enganando, nos dizendo sãos. Maldita seja toda tentativa de estar bem, porque não tem êxito e só nos faz mais loucos. Preciso me reconectar com o meu eu. Preciso tirar o cimento do ralo. Preciso sair desse lugar o quanto antes. Não há lugar pra mim nesse espetáculo. Nunca houve. Daremos uma festa para um palhaço que não foi convidado. Ainda assim ele ri, como, bebe, dança a peça dos convidados. Esforça-se para fazer graça, mas sabe que ninguém ali se interessa de fato. Como já foi dito, é um espetáculo, ele não foi convidado, e todos estão encenando... a todo instante. E somente o palhaço não sabe. E ele vai tentando do tragicômico ao desespero. E se acha tomado de uma insanidade incomum. Porque ele não soube ser inconstante e borboleta. Ele tentou, mas essa foi a única hora em que riram dele, desengonçado e sem graça.
segunda-feira, 1 de março de 2010
canopy glow
quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010
Meia metáfora
Um dia eu tive uma filha. Ela era tudo pra mim. Ela não saiu de mim, mas era como se tivesse. Eu era criança com ela; eu era a melhor tia-mãe do mundo. E a vida nos separou, eu me separei, e ela sentiu muito, chorou doído, de um choro que eu jamais vou me esquecer. Ainda carrego a cicatriz no peito, do rasgo causado por aquele choro... Mas a vida tinha que seguir. Justamente por ela não ter saído de mim, por mais que eu quisesse, não tinha o direito de tê-la pra mim. Ela jamais seria pra sempre e oficialmente minha (sim, eu era jovialmente egoísta). Pois a verdadeira dona fazia questão de me lembrá-lo. Isso não diminuiu o amor que eu lhe tinha, pelo contrário. Mas me fez acordar para algo mais (ou me fechar para algo julgado menos); esse triste fato me encorajou a tomar a decisão de ir embora. E eu fui.
quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010
canting
quinta-feira, 14 de janeiro de 2010
Apesar de tudo, existem as palavras
Tem certos pensamentos que se encontra nas páginas de autores. Jamais se prova que aquele pensamento sempre foi pensado, mesmo antes de saber que pertencia a tal autor. Isso acontece, inconsciente coletivo, pós-modernidade, tudo-é-possibilidade, tudo é.
Adentra silenciosamente pelo mundo das palavras.
Sartre adentrou. Passou por entre a biblioteca, escolheu, viveu, chorou e se descobriu. Ele disse que as palavras têm para ele um peso grande. Foi na infância que ele descobriu a embriaguez de se viver palavra.
Elas sempre me tiveram. Eu sempre as tive. Descobri-as antes do tempo que se costuma descobrir. Paixão inata. A palavra é uma das nossas mais belas criações. Temos a possibilidade de darmos o peso que quizermos a elas. De acordo com o tom, a importância. E aí vem a teoria da recepção também. Aí vem também o ruído. Suposição, medo, variedade linguística, lexical. Conotação, denotação.
Fazer-se palavras, criar palavra, estar palavra, sentir palavra.
Dizer a palavra que se sente. Sentir a palavra que se diz.
A palavra que eu te disse. As palavras que abstenho. Tantas. E apenas resumo em um Se você soubesse... Para que você use o nosso sentir e a nossa palavra e abstraia e imagine e delire e aja verborragicamente.
quarta-feira, 28 de outubro de 2009
Lei Estadual nº 12225/06
“Minha cria. Eu te dei vida. Eu te dou a morte. Você me pede a sua vida. Eu não tenho vida pra te dar. Eu não tenho nada pra te dar. Sei que não conseguirei tirar uma vez mais a sua vida, mas também não conseguirei conviver com a sua desmorte. Aqui fora não é lugar pra você. Você não nasceu pra viver, assim como a sua mãe, meu filho. Eu comi os seus irmãos e ia te comer também. Mas já que você me julga, vamos acabar logo com isso.”
sexta-feira, 23 de outubro de 2009
quarta-feira, 7 de outubro de 2009
O calor queima, e o frio também
Não sou morna. Assumo o caos que há em mim. Assumo o caos que há, que reina. O caos reina.
Não, não sou morna. Combato diariamente a hipocrisia que há em mim e, de vez em quando, a que há em você.
Não, eu não sou morna. Não finjo que aprendo enquanto fingem que me ensinam.
Eu sou o caos. E você também é. Por mais que tente esconder, ele está aí, mal guardado, naquele lugar obscuro que desde a sua infância, nunca mais você visitou.
Eu sei, às vezes, você até chega a enxergá-lo no espelho, mas você desvia o seu olhar. Diga um olá para ele de vez em quando. Porque não tem jeito, um dia ele cansa dessa escuridão.
terça-feira, 6 de outubro de 2009
Mosaico
Preciso te explicar a teoria do mosaico.
Preciso externar esse mosaico.
Um dia.
Silêncio.
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
Daremos uma festa para um palhaço que não foi convidado
MUTARELLI, Lourenço. O teatro das sombras. Devir Livraria.
segunda-feira, 21 de setembro de 2009
O patrão nosso de cada dia
da flor de cactus
Ela não quiz
Eu dei-lhe a flor
De minha vida
Vivo agitado
Eu já não sei se sei
De tudo ou quase tudo
Eu só sei de mim
De nós
De todo mundo
Eu vivo preso
a sua senha
Sou enganado
Eu solto o ar
No fim do dia
Perdí a vida
Eu já não sei se sei
De nada ou quase nada
Eu só sei de mim
Só sei de mim
Só sei de mim
O patrão nosso
de cada dia
Dia...
após dia...
O patrão nosso de cada dia...