sexta-feira, 7 de maio de 2010

A estória do gato e da lua

No princípio era um negro absoluto. A imensidão calma da noite. Depois ela surgiu e tudo mudou. Há muito que deixei de procurar. Agora tudo é mais calmo. Aprendi que é melhor esperar, ela virá quando puder ou quando quiser. Sei que um dia virá ter comigo. Senão vou passar horas a fio, noite inteiras a observar-lhe. Nada mais importa. Eu espero.

Mas nem sempre foi assim. Depois de a conhecer minha vida mudou. Procurei segui-la. Por ela atravessei mares, corri oceanos. Cheguei mesmo a andar a deriva. Tanto fiz pra a encontrar. Quando julguei estar perto, estava ainda bem longe. Me senti perdido sem saber o que fazer. No meio de tanto mar. O barco tornava-se cada vez mais apertado, o mundo cada vez mais pequeno pra toda aquela paixão.

Foi então que mudei de vida. Arranjei casa, e confortavelmente instalado, julguei irrecusável a minha proposta. Mas de novo ela fugiu. Desesperado então fui de telhado em telhado atrás dela, escravo daquele desejo, prisioneiro daquela atração que pouco a pouco me deixava cada vez mais só.

E o tempo passou. Agora já não corro. Espero apenas. O resto não importa.
Realização: Pedro Serrazina

E eis que numa noite dessas de surpreender aos mais acostumados, ela aparece e o toca. Ele se espanta em ver sua beleza tão de perto. Mal a reconhece e não pensa duas vezes em tocá-la, e a acaricia, e se sente feliz com aquela possibilidade. Tão feliz, tão feliz, que ele começa a subir pelo seu corpo e já quase não se distingue quem é quem. E os dois se envolvem e ela o leva, e nesse carinho, os dois se tornam um só, resplandecente.

Oh, gato, volta pra mim. Volta pra tua casa. Eu sei que a lua é bonita, mas é triste demais não ver-te quando chego em casa. Vida minha, amorzinho meu, volta pra mim. Não demora, não. Diz pra essa lua que a tua mãe o espera e que é preciso ir. Toma cuidado, meu gato preto. Longe de mim querer possuir-te, mas apenas desfrutar da tua presença como sempre fazíamos. Vem me tagalerar, vem me acordar, vem porque essa casa precisa de você.

Porque o choro dói mais quando se está sozinho.
Porque os gatos sabem quando um amor é pra sempre.

anti-Interior Desing-Tokyo-Michel Gondry

Eu quero poder merecer ser útil pra mim. Eu quero deixar de ser, pelo uma vez, quem sabe, e não me chamem de pessismista, menos azarada. Quero ser mais útil que uma cadeira, mas para mim, não para eles. Quem são eles? Quem eles pensam que são? E que importa? Eles estão fodendo. E eu sou apenas uma cadeira. E ainda existe gente tão fútil nessa vida, que tem como sonho ser tão útil quanto uma cadeira. São os afortunados e os desafortunados.Tão substituível quanto uma cadeira. Ter que ser tão fria quanto uma cadeira, quando há tanta coisa que posso oferecer, tanta paixão, tanta vontade... Mas eles não estão nem aí. Você recebe pra ser uma cadeira. Porte-se como uma! E assim vai ser, e acho que até o fim. Do começo ao fim, sem dó, nem piedade, só transtorno, só contratempo, só trauma, e é isso.Vai saber se não é por isso essa minha transitoriedade, essa mudança constante. Vai saber... nem o tal do Freud, muito menos ele. Eu só quero ir embora. Minha mãe me deixou aqui, com essa gente estranha, mas eu não quero ficar. Quero ir embora. Quero voltar pra onde nunca deveria ter saído. Por que eu tenho que ficar? Por que não posso ir? Qual o problema? Coragem, menina, vai embora. Isso aqui não é pra você, nunca foi.

Terra Santa e Desgraçada

Aquela que me acolheu, me fez crescer, me fez sofrer.
Como a uma mãe, contraditório ser humano, critiquei-a, te chamei de mal gosto, mal gosto, mal gosto, mas vivi nas tuas veias, sorvi do teu seio. Devo lá ter feito algo por ti. Se a batida da asa da borboleta causa tufões, alguma coisa eu fiz, pro bem e pro mal. Mas eu bem me conheço, te fiz bem de alguma forma.
Me apresentou teus filhos. Emprestou-os para mim. Uns eu cuidei. Outros me cuidaram. E a gente se apoiou dessa forma. Mesmo que muitas vezes de uma maneira torta, caótica, um tanto medíocre e hipócrita, mas sempre com atrito e palavras, o que é mais importante.
E então, uma peça de finda. Fecho as cortinas, desmonto o palco e saio. É a minha deixa. Volto pra minha terra, de onde, às vezes, pensava que nunca deveria ter saído. Mas, que seria de mim sem você, Mogi.
Ah, Granada, terra santa e desgraçada.Mogi, terra do Rock.
Metrópole de gente caipira. Velhos costumes, velhos hábitos. Eterna província. Por que destruiu tua história, Mogi? Por que derrubou tuas casas? Por que destruiu os teus índios? Mas quem somos nós? Novamente eu te critico, mas como a uma mãe que jamais entenderemos.
Portanto, de todo modo, venho por meio deste agradecer a todos os que conheci nessa cidade. Todos foram importantes, sem sombra de dúvida. Levo todos em minha memória e em minha agenda telefônica.Saio de cara certa, de consciência limpa, de mãos livres e já com saudade no peito. Daquelas manhãs vilajoianas frescas e solitárias, daquelas crianças, daquela companheira.
Daquelas tardes sãosebastianas verdes e entristecidas, daquele sofrimento, daquela cachorra, daquele pai. Daquelas noites vilavitorianas saudáveis e marcantes, daquela amizade, daquela família, daquelas risadas, daquelas barbas, daqueles filmes, daquelas madrugadas, daquela soja, daquele queijo, daquelas músicas, daqueles gatos.
Daquelas madrugadas insones, daquele chico science, daquele MP3, daquele vicioprimaveril, daquelas saias, daquelas mulheres, daquele homem azul, daqueles enxergadores de alma, daquela mandala, daquele elvis, daquele cine saleiro, daquele cine canteiro, daquele café, daquelas tequilas, daquelas cachaças, daqueles amigos secretos, daquele Michel, daquela Aline, daquela Sheila, daqueles malditos artistas insones.
Daquelas noites brascubanas, daquelas pessoas brascubanas, daqueles sonhos universitários, daquelas críticas, daquelas risadas, daquela Juliana, daquela Ananda, daquele Maurício, daquela Anna, daqueles professores, daquelas manhãs de sábado, daquela lanchonete da arquitetura, daquelas brigas, daquele nosso banquinho.
Daquele bar, daqueles shows, daquelas bandas, daquela cena, daqueles amigos, daquela portaria, daquela cerveja, daquele banheiro.
Daquelas tantas coisas que não me esqueço. Foi muita vida em pouco tempo.
A ti, o meu amor e o meu adeus.
Não há ato mais apaixonante do que ler. Quando a gente lê, entra na mente de quem escreve. E a catarse é forte, capaz de criar toda a atmosfera do que está escrito. Quando leio algo novo e bom e apaixonante, de alguém que ainda não conhecia, tomo-o para mim de tal forma, que ninguém jamais me tirará. Isso a gente realmente possui. Agora quero mais. Obrigada à flor de laranjeira mais cheirosa que já encontrei, que me apresentaste Caio Fernando Abreu. Me falaste tanto dele, e eu nem aí... tsc, pobre de mim por ter cometido tamanho desdém ao não ter procurado-o assim que mo tivesses falado. Mas eu sabia que, vindo de pessoa de tão bom gosto, não poderia ser diferente. És a flor esquisita e bagunceira que chamaste a minha atenção. És o excesso de vida rodopiando ao meu redor. Aquela criança serelepe que não para nunca, que corre, que grita, que enche de alegria a casa, e que nos cansa com tamanha energia, mas é de um cansaço renovador. À contraditória e apaixonante Lolita... que nem tudo é efemeridade.

Da arte de ser clown

Porque somos todos clowns. Ainda somos aquela criança que pinta e borda para chamar atenção. Alguns esquartejam, outros mentem, outros ainda sorriem, mas todos amam. Todos fazem de tudo para que olhemos. É um espetáculo e tanto.

Das vantagens (ou des) de ser um palhaço

Breve intro O palhaço cultiva a alegria, independente do estado das coisas.Canta, dança, celebra a vida como ela é: torta, sangrenta, caótica, duvidosa.Tem o dom de rir da desgraça. Tem a sede de abrir um sorriso no rosto daquele que chora.Meu menino e minha menina têm me ensinado as dádivas de ser um clown. Mesmo contra minha vontade, sou um clown. Mesmo contra nossa vontade, somos todos clowns.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Danço eu, dança você

É preciso definir-se. Não há meio termo: ou se está só, ou se está acompanhado. E o que é estar acompanhado? O que é estar com alguém? E a gente vai descobrindo que cada um tem um conceito diferente de solidão, de amor, de amizade. A arrogância nos cega e não nos permite perceber isso. E a descoberta é feita a duras penas. Ainda que tardia, é extremamente necessária. É importante perceber o quanto somos esgoístas. E que fique assim, bem definido, que a solidão te acompanhará. Por um bom tempo, ao menos, pela vida inteira. Que nem teus filhos te darão a companhia que precisa. Eles, na primeira oportunidade, ganharão o mundo, independente do que tenha feito. Você já teve a oportunidade de não estar sozinha algumas vezes, e jogou fora. É e não é sua culpa. Você podia ter escolhido, podia ter sido mais forte que os seus problemas. E hoje você tem que se ver sozinha, dependendo de um conceito de amor completamente diferente do seu, inverso até, quem sabe. Na verdade, nada se sabe desse amor calado, que às vezes grita que quer ficar pra sempre ao seu lado. Mas que, na maioria das vezes, contenta-se com si próprio. Portanto, que seja assim, bem definido na sua cabeça, para que não tenha mais que se preocupar ou sofrer com isso. Foi a tua escolha, arque com ela. Contente-se, conforme-se e cale-se. Tente ter um filho ou dois. Ganhe dinheiro, e passe o resto da vida a observar. É sua a culpa, é dele a culpa, são um monte de culpados se relacionando e se deteriorando. Essa festa de Atlas, na qual você nunca é convidada e nunca sabe do que se trata.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

A garota do trem

(Marcel Bittencourt)

Eu estava na plataforma esperando o próximo trem sentindo Guaianases chegar. Eu estava ouvindo Read My Mind no music player do meu celular. Um tanto arriscado, nos dias de hoje. Pensava na minha situação financeira, que não estava indo muito bem, mas fazer o quê. A culpa era, de fato, minha, que não fazia muita coisa para mudar isso. O assunto passou para minha vida em geral. Mais especificamente, o quão vazia era minha vida. E se eu me jogasse na frente do trem? Um espetáculo e tanto. Mas não queria quebrar meu celular. Tinha custado caro e eu sou muito apegado a essas parafernálias tecnológicas. Mas eu vivia uma vida medíocre, sem grandes ambições, sem um grande amor. Corpos passaram pelo meu, mas nada que valesse a pena lembrar naquele momento. Foi então que eu percebi que uma garota próxima a mim. Garota, sim... Tenho síndrome de Peter Pan, porque ela tinha cara de uns vinte e três a vinte e seis anos... Já era mulher, mas pra mim, menos de quarenta, garota. Ao som de Chico Buarque (sou bem eclético), comecei a observá-la. Destacava-se do resto exatamente por sua simplicidade. Em um mundo onde a vaidade reinava, um rosto sem maquiagem, uma blusa sem decote ou pernas escondidas era algo que realmente me chamava atenção. Ela olhou pra mim, surpresa com o fato de eu estar encarando-a e virou o rosto. Quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem. Mas, por algum motivo, não conseguia parar de olhar pra ela. Tsc. O trem havia chegado e entramos. Era sábado e não havia milhões de pessoas se acotovelando, travando batalhas titânicas por um maldito assento. Esperei ela sentar e sentei em um banco na sua frente. Nesse ponto, ela já estava bastante incomodada com a situação. Olhou para um lado, depois para outro, procurando um outro lugar para se sentar, mas desistiu da idéia. Creio que ela achou que seria muita bandeira, sei lá... Bom, tenho certeza que não lançava-lhe olhares cobiçosos... Pelo contrário, era um olhar curioso. Fiquei realmente curioso pra saber por onde ela já esteve. O cenho franzido, como se tivesse sido forçada a ser dura durante a vida. Tão diferente das ninfetinhas que sorriam e gritavam e gargalhavam e comentavam sobre suas últimas empreitadas sexuais e como seus supervisores eram uns escrotos e como elas conseguiriam uma promoção na operação caso aceitassem os convites libidinosos dos seus gestores e essa vida de telemarketing que é igual diarréia: todo mundo já teve a desagradável experiência de passar por isso. E nos fones, Lou Reed dizia Hey babe, take a walk on the wild side. A saída perfeita para fugir do mundo, especialmente eficiente em transportes públicos: ler. A garota tirou um livro da mochila e começou a ler. Saramago. Jangada de Pedra. Bom, por algum motivo, tinha certeza de que não seria Crepúsculo ou Paulo Coelho. Ela diferenciava-se da massa. Se eu pudesse enxergar a aura das pessoas, ali, mesmo não estando o vagão lotado, eu veria um borrão cinza e um pontinho azul. Ela seria o pontinho azul. Comecei a analisar os detalhes. Peguei minhas coisas, fui embora, não queria mais voltar, eu nunca quis presenciar o fim. Minha “ecleticidade” chocava até os mais puros. Sua mochila era grande e parecia pesada. Final de semana... Para onde ela estaria indo? Para São Paulo? Trabalho? Passeio? Encontrar no namorado? A namorada? Não havia aliança em sua mão. Na verdade, nem anel. Vaidade é para os fracos. O que tinha na mochila? Roupas? Livros? Um revólver calibre '38? Era a cara dela, levantar meter cinco balas em cinco lixos humanos e depois uma azeitona no própria cabeça. Bom, pelo menos eu gostaria de fazer algo assim. Pelo menos o celular ficaria intacto. Ou não, um maldito ladrão poderia roubá-lo enquanto eu estivesse inerte no chão. Sei lá, hoje em dia se vê de tudo. Esse mundo é uma Roma imperial moderna. Leões e cristãos. Brasil, o maior Coliseu da terra. Um estojo com itens de higiene como escova de dentes, absorvente, creme dental, pente e coisas assim? Ela parecia ser asseada, independentemente de sua simplicidade. Um maço de cigarros, talvez. Será que ela fuma? Eu estava com uma vontade louca de fumar. Maldita lei anti-fumo, que não permitia mais se fumar nas estações de trem. Roupas, definitivamente roupas. Ela estava indo encontrar o namorado. E a namorada. Que vida. Será que ela usava lingerie provocante? Uma calcinha de renda preta, um chicotinho de couro? Dominadora, talvez. Eu deveria me levantar e ir sentar-me ao lado dela. Qual seu nome? Pela idade, provavelmente Fernanda, Fabiana, Mariana, Talita ou Bárbara. Mas antes que eu tomasse qualquer decisão, um maldito obeso com cara de tarado sentou-se ao lado dela. Aqueles braços roliços, roçando “sem querer” contra os dela. Se eu tivesse uma katana, deceparia aqueles dois objetos nojentos que ele usava para levar suas mãos, segurando um Super Big Mac, à boca. Percebi que ela também se sentiu enojada. Eu queria aquele '38 pra enfiar as seis balas na barriga do gorducho. Tire suas mãos da minha garota, seu porco! Minha garota, rá, essa é boa. Sente-se aqui do meu lado, Fernanda. Vamos falar sobre literatura, cinema, música e a política mundial. Sabe, Fabiana, acho que eu te amo. Diga-me, Mariana, você quer ser minha namorada? Que notícia incrível, Talita, você está esperando um filho meu? Cuide dos nossos netos após minha morte, minha querida Bárbara. Uma família, uma vida. Ter motivos para acordar de manhã, enfrentar o mundo, juntar dinheiro, casa, carro, filhos, cachorro, gato, TV de 42 polegadas, home teather, X-Box 360. E o que ela está achando das peripécias de Joana Carda? Teria tido dificuldades para se acostumar ao estilo do Saramago ou, assim como eu, achou tranquilo? O que mais ela lê? Sartre? Maquiavel? Sêneca? Cristã? Agnóstica? Atéia? Republicana? De esquerda? Anarquistas? Mãe? Virgem? Bissexual? Diabética? Desenhista? Quem é você, garota? O que eles te fizeram? Senta aqui e me conta. Eu te protegerei. Minha Alabama. Bom, agora que encontrei o amor da minha vida, nada mais me falta. Ficaremos ricos juntos. Quando a 3ª Guerra Mundial estourar, seremos os únicos sobreviventes. Mas faremos diferente de Adão e Eva. Nossos filhos serão puros, serão ateístas. Criaremos uma sociedade onde não será necessário dominar no mínimo quatro artes marciais para se conseguir sentar no trem. Onde não existirá plaquinhas de Lei Estadual Nº 12.225/06. Você chamará meu nome enquanto dorme e eu ter abraçarei, velando seu sono. Uma casa com gazebo, limonada no portão, seriados até de madrugada. Um café e planos de fazer um filme. Pizza de sexta-feira e sexo embaixo do edredom. Fumaremos deitados na cama enquanto você me conta como foi seu dia. Uma bolha mágica, protegida pelos maiores arcanos de Devon. Ciúmes das nossas relações anteriores. Quanta bobagem, é só você que eu amo, garota. Vamos descer na próxima estação e ir no cinema. Vamos comer pipoca e tomar Coca-Cola. Deixe seus namorados pra lá, temos que estudar pra prova. Tantas coisas para fazermos juntos, e você aí, lendo Jangada de Pedra. Bom, é aqui que eu desço. Espero que você fique bem. Beijos e saiba que sempre te amarei, minha garota do trem.

sexta-feira, 19 de março de 2010

Lucy's letter

pic by Fabiana Rangel

quinta-feira, 18 de março de 2010

Esquilo Não Samba

Móveis Coloniais de Acaju Composição: Leonardo Bursztyn

Muito prazer
Eu sou você amanhã
Só não me apresentei antes
Por medo de desmotivar
Eu sei que é triste
Mas não se deixe abalar
Terás dias bons
Cujo número eu posso contar
Muito prazer
Eu sou você amanhã
Só não me apresentei antes
Por medo de desmotivar
Não vou mentir
Na sua média você será
Medíocre
Não vou mentir
Não sua média você será...
Mediocridade
Eu sei o quanto eu sinto saudade
Mediocridade
Eu sei o quanto eu sinto saudade
Do tempo em que eu me achava esperto
Do tempo em que eu esperava dar certo
Do tempo em que eu me achava
Não quero te iludir
Não quero te enganar
Não quero te iludir
Você está
Desperdiçando o que era pouco
Muito pouco, quase nada
E está para acabar
Acabar

segunda-feira, 15 de março de 2010

Da prole

"...Então a biosfera inteira, agonizante, finalmente em seus últimos recursos, implorou àquele ser vil e arrogante, àquela bactéria infecciosa, prole de seu próprio ventre; implorou e agonizou por piedade. E aquele ser repugnante instituiu: "Não!", disse ele. "Não terás a minha piedade: já está decidido. Já foi declarado, registrado, homologado, anexado e arquivado; nossa condição é simples e clara: eu serei a hiena, e você será a presa agonizante em minhas mandíbulas..."


...


Da arte de ser clown.
Da arte de fazer rir por meio da dor e da tristeza.
Das vantagens de ser comer o prato frio.
Da prole de seu próprio ventre ao doentio criador.


Ei.
Faz-me sentir o melhor de mim.
Faz-me perceber o que há para ser sorriso.
Faz-me ser inspiração e produção.
Adentraste silenciosamente nesse mundo inverborrágico. Adentraste silenciosamente no paço das palavras.

terça-feira, 2 de março de 2010

meio mosaico

Mas a vida está nos silenciando aos poucos. O vento está soprando e a sensação de estar numa corda bamba sempre esteve. Não estamos bem e isso não é de hoje. Estou chegando à conclusão de que a nossa doença é degenerativa, crônica e psicológica, e parece estar em grau avançado. A vida está nos silenciando. Conseguiram nos convencer da nossa loucura e nós sempre nos enganando, nos dizendo sãos. Maldita seja toda tentativa de estar bem, porque não tem êxito e só nos faz mais loucos. Preciso me reconectar com o meu eu. Preciso tirar o cimento do ralo. Preciso sair desse lugar o quanto antes. Não há lugar pra mim nesse espetáculo. Nunca houve. Daremos uma festa para um palhaço que não foi convidado. Ainda assim ele ri, como, bebe, dança a peça dos convidados. Esforça-se para fazer graça, mas sabe que ninguém ali se interessa de fato. Como já foi dito, é um espetáculo, ele não foi convidado, e todos estão encenando... a todo instante. E somente o palhaço não sabe. E ele vai tentando do tragicômico ao desespero. E se acha tomado de uma insanidade incomum. Porque ele não soube ser inconstante e borboleta. Ele tentou, mas essa foi a única hora em que riram dele, desengonçado e sem graça.

segunda-feira, 1 de março de 2010

canopy glow

Joana Carda corre para além-mar, a península se afasta, e ela nem está tão atordoada assim; não como os outros. Joana Carda sabe o que passou até chegar ali, e cada um sabe a dor que lhe apetece. Cada um guarda o gosto da dor que lhe faz bem, e Joana Carda está ali por ter-se agastado. Em breve Agastar

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Meia metáfora



   Um dia eu tive uma filha. Ela era tudo pra mim. Ela não saiu de mim, mas era como se tivesse. Eu era criança com ela; eu era a melhor tia-mãe do mundo. E a vida nos separou, eu me separei, e ela sentiu muito, chorou doído, de um choro que eu jamais vou me esquecer. Ainda carrego a cicatriz no peito, do rasgo causado por aquele choro... Mas a vida tinha que seguir. Justamente por ela não ter saído de mim, por mais que eu quisesse, não tinha o direito de tê-la pra mim. Ela jamais seria pra sempre e oficialmente minha (sim, eu era jovialmente egoísta). Pois a verdadeira dona fazia questão de me lembrá-lo. Isso não diminuiu o amor que eu lhe tinha, pelo contrário. Mas me fez acordar para algo mais (ou me fechar para algo julgado menos); esse triste fato me encorajou a tomar a decisão de ir embora. E eu fui.   
    E o tempo passou, e eu me lembrava dela como um filho natimorto. Um filho perdido do qual eu sempre senti falta.
    E aí, após alguns anos, eu a reencontrei, não pessoalmente. Nós conversamos, nos atualizamos. Conversas sobre as trivialidades, evitando tocar em assuntos delicados. Comecei a perceber que ela se divertia intimamente, pois aos meus comentários sobre as nossas brincadeiras, inesquecíveis para mim, ela respondia que nada lembrava. Aquilo foi de uma frustração tamanha; era como se a visse me olhar com um sorriso ingênuo a segurar um punhal. Foi então que a minha confissão da falta que ela me fazia, da saudade que eu lhe tinha, suscitou na pergunta rancorosa: Então por que fostes embora? Senti o fel de cada de palavra. Palavras que saíram de uma criança. Isso não é uma metáfora: ela realmente era uma criança. E eu lhe perguntei: Não te disseram? Ao que ela respondeu: Sim, mas quero ouvir de você. Senti o punhal ser enterrado em meu peito, senti a crueldade vindo dela no nó da minha garganta, que jamais imaginei sentir... uma criança. A minha criança... meu natimorto que resolvi ressuscitar. Antes a tivesse comido como a Alice o fez. A desmorte é pior que a morte. Com a morte se convive melhor, porque é fato, acabou, não tem mais volta.
    Explicado o motivo, mais crueldade. Não bastou pr’aquela criança apunhalar o meu coração. Era preciso girar o punhal: Foi quase igual ao que me contaram. Eu, num grito de misericórdia: Mas e você, o que achou de minha partida? Quer conversar? Quer desabafar?. E ela, num meio riso: Me poupe. E o punhal girou. E ela os chamou, e todos riram de mim, da minha dor, do meu rasgo exposto.
    Causei-lhe dor ao ir embora; acho que a dor do seu choro doído somou-se ao que lhe disseram sobre a minha partida. E aquela criança teve a sua vingança.
    Criança não tem pudor, não discerne entre cruel e não cruel. Tudo é lúdico para a criança. Se ela vai perceber o que fez quando o imaginário acabar, jamais saberemos, mas é o que a minha crueldade reflexiva espera.
    Eu ressuscitei meu natimorto e ele quis levá-lo consigo. Não devia tê-lo acordado.
    Não acordem, não despertem o amor.
    Mas eis-me, guerreiro caído, quase morto como o meu bebê um dia esteve. Mas me ergo, sei de onde eu vim, apesar das investidas de tentar me fazer esquecer. Sei do que é feito o meu sangue. Afirmo isso para mim mesma. Levanta-te, mulher. Mostra-te a mulher que sempre foi. Ergue a cabeça e segue. Teu verdadeiro filho a espera lá na frente.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

canting

Quando eu era rígida, quando eu odiava com todas as forças da minha alma a hipocrisia e a mediocridade, falavam mal de mim. Diziam-me intransigente, insípida.

Quando eu passo a agir como a massa e sigo a cuidar do que eu quero, do que me faz feliz; quando eu deixo pra trás esse ódio inválido, falam mal de mim.

Opa, é a especialidade da casa: pegar um pra santo cristo (não que eu me considere um mártir, não mesmo) e jogar pedra.

Afinal, é preciso escandalizar o outro, apontar para o outro, para que seus defeitos não sejam mostrados.

Não que eu me importe, mas faz-se necessário vomitar-lhe o pão bonito por fora e bolorento por dentro. É a mania de se ludibriar com essa beleza instantânea, quase que espontânea. É o distrair-se com as peripécias dessas tentativas de fazer-se bem.
Mais ou menos isso.
E mais nada.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

E são perfeitos


Por Fabiana Rangel

Apesar de tudo, existem as palavras

O intuito não é demonstrar. É apenas registrar antes que se perca na confusão mental.

Tem certos pensamentos que se encontra nas páginas de autores. Jamais se prova que aquele pensamento sempre foi pensado, mesmo antes de saber que pertencia a tal autor. Isso acontece, inconsciente coletivo, pós-modernidade, tudo-é-possibilidade, tudo é.

Adentra silenciosamente pelo mundo das palavras.

Sartre adentrou. Passou por entre a biblioteca, escolheu, viveu, chorou e se descobriu. Ele disse que as palavras têm para ele um peso grande. Foi na infância que ele descobriu a embriaguez de se viver palavra.

Elas sempre me tiveram. Eu sempre as tive. Descobri-as antes do tempo que se costuma descobrir. Paixão inata. A palavra é uma das nossas mais belas criações. Temos a possibilidade de darmos o peso que quizermos a elas. De acordo com o tom, a importância. E aí vem a teoria da recepção também. Aí vem também o ruído. Suposição, medo, variedade linguística, lexical. Conotação, denotação.

Fazer-se palavras, criar palavra, estar palavra, sentir palavra.
Dizer a palavra que se sente. Sentir a palavra que se diz.

A palavra que eu te disse. As palavras que abstenho. Tantas. E apenas resumo em um Se você soubesse... Para que você use o nosso sentir e a nossa palavra e abstraia e imagine e delire e aja verborragicamente.